14h30

Audiência Pública: Impactos do avanço da indústria fóssil na cadeia produtiva
Brasília - DF
A pesquisa sísmica offshore, utilizada na exploração de petróleo e gás, é uma atividade que repercute profundamente no ecossistema marinho e nas comunidades que dependem dele, especialmente as populações pesqueiras tradicionais e industriais ao longo do extenso litoral brasileiro. A complexidade e a magnitude desses impactos exigem uma compreensão minuciosa não apenas dos efeitos ambientais, mas também das consequências socioeconômicas para os modos de vida e a segurança alimentar local.
14h30
Brasília - DF
O Brasil possui um dos maiores litorais do mundo, um patrimônio natural único, que abriga ecossistemas preciosos, milhares de espécies de biota marinha e sustenta a vida de milhões de pessoas. No entanto, esse imenso território costeiro e marinho está sob ameaça de uma prática extremamente destrutiva: a pesquisa sísmica para exploração de petróleo e gás.
A sísmica é realizada por meio da emissão contínua de ondas sonoras de altíssima intensidade no fundo do mar, capazes de atravessar o subsolo para mapear jazidas de combustíveis fósseis. Esses disparos, que se repetem a cada poucos segundos, durante semanas, meses ou até anos, chegam a liberar explosões acústicas equivalentes a terremotos submarinos, com níveis entre 235 e 263 decibéis, propagando-se por áreas de até 300 mil km², isso têm efeitos devastadores sobre o equilíbrio marinho. O estudo “Do Mar à Mesa: Como a pesquisa para a exploração de petróleo ameaça a vida”, do Instituto Internacional ARAYARA, comprova que esse processo afeta diretamente os peixes, provocando sua fuga em massa, desorientação e até morte, o que compromete os estoques pesqueiros, incluindo a redução da disponibilidade de espécies como lagosta, pargo, espadarte e atinge de forma cruel a pesca e a segurança alimentar de milhares de famílias brasileiras que dependem do pescado para sobreviver.
A fauna marinha sofre consequências gravíssimas. Baleias, golfinhos, tartarugas e outras espécies que dependem do som para se orientar, se comunicar e se reproduzir ficam desorientados, sofrem alterações comportamentais e, em muitos casos, acabam encalhando e morrendo. O ecossistema perde seu equilíbrio e a biodiversidade corre risco de colapso. Ao autorizar a continuidade da sísmica sem regramento, transparência e indenização às famílias de pescadores afetadas, o Brasil estaria colocando em risco não apenas o oceano, mas também a saúde e o sustento das comunidades costeiras, violando o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado e ignorando a necessidade urgente de uma transição energética justa e sustentável.
Diante da gravidade da situação, nós, cidadãos e cidadãs brasileiros, manifestamos nossa posição pela regulamentação da atividade sísmica, pela transparência dos órgãos de licenciamento ambiental, das empresas sísmicas e petroleiras, pela indenização a pescadores afetados, pela responsabilização do setor fóssil e por uma transição energética justa. É inaceitável que em pleno século XXI, em meio à emergência climática global, o país insista em práticas que não apenas destroem a vida marinha e o pescado, mas também aprofundam a dependência dos combustíveis fósseis, em vez de investir em alternativas limpas e renováveis.
Não aceitaremos que o silêncio do mar seja substituído pelo barulho destrutivo da sísmica. É hora de proteger o oceano, o pescado, a biodiversidade e a vida dos pescadores e pescadoras.
A pesquisa sísmica consiste na emissão de intensos pulsos acústicos por canhões de ar comprimido (airguns), que penetram o subsolo marinho para mapear potenciais reservas de hidrocarbonetos. Embora tecnicamente sofisticada, essa atividade gera ruídos que podem ultrapassar 260 decibéis, comparáveis a um terremoto submarino, e que se propagam por áreas extremamente vastas, chegando a centenas de milhares de quilômetros quadrados.
Essa sonora invasão oceânica impacta diretamente os organismos marinhos, desde o zooplâncton — base da cadeia alimentar — até peixes, crustáceos e mamíferos marinhos. O ruído interfere na alimentação, reprodução, comunicação e até provoca danos físicos nos animais, conforme evidenciado por estudos que registram queda na abundância de peixes recifais em até 78% durante campanhas sísmicas, além de deformações e atraso no desenvolvimento de larvas de vieiras. Para os pescadores, isso representa uma redução nítida e imediata nos estoques pesqueiros e na produtividade dos seus esforços.
A pesca no Brasil é bastante diversificada, e a pesquisa sísmica impacta tanto a pesca artesanal quanto industrial. A pesca artesanal, caracterizada pelo uso de técnicas tradicionais e embarcações de pequeno porte, é especialmente vulnerável, pois os pescadores dependem de territórios fixos próximos à costa, com baixa mobilidade para desviar das zonas de exclusão impostas pelos navios sísmicos.
Essas zonas de exclusão, com raio mínimo de 5 milhas náuticas ao redor dos navios sísmicos, bloqueiam o acesso a áreas tradicionais de pesca, dificultando a vida dos pescadores artesanais e sua capacidade de prover para suas famílias e comunidades. Nas regiões Norte e Nordeste, como a Bacia da Foz do Amazonas e Pará-Maranhão, o impacto na indústria da lagosta e no uso de potes e armadilhas atinge até 40% das áreas de manobra sísmica, ameaçando um modo de vida que está enraizado na cultura local e na economia regional, principalmente em municípios como Icapuí, no Ceará, que detém liderança na exportação de lagosta para mercados como China e Estados Unidos.
Já a pesca industrial, com embarcações maiores e técnicas como o espinhel de superfície, sofre com o afastamento temporário dos peixes e do cardume, perdas de petrechos, e a necessidade de mudanças abruptas nas rotas de navegação, aumentando os riscos e os custos operacionais. Na região Sul, especialmente na Bacia de Pelotas, a sobreposição da atividade sísmica com áreas de pesca destinada ao espadarte, atuns e afins chega a mais de 70%, causando relatos por parte dos sindicatos locais de declínio significativos nas capturas e prejuízos econômicos graves.
Além dos impactos pesqueiros, as campanhas sísmicas geram efeitos devastadores sobre espécies emblemáticas e ameaçadas, como as baleias-jubarte, baleias-sei e golfinhos, que dependem do som para comunicação e navegação. Estudos e monitoramentos indicam que as operações sísmicas causam estresse, embolia gasosa e afastamento dessas espécies de áreas críticas para reprodução e alimentação. Tartarugas marinhas também demonstram forte evasão diante dos níveis sonoros gerados, o que pode interferir nos ciclos reprodutivos e na sobrevivência das populações.
A presença frequente de avistamentos de cetáceos nas áreas de manobra confirma a necessidade urgente de implantação rigorosa de medidas mitigatórias, como monitoramento visual e acústico para suspender atividades em caso de proximidade de fauna sensível. O estudo destaca ainda que 45% das espécies de cetáceos avistadas nestas regiões estão classificadas como vulneráveis ou em perigo, o que reforça a importância de abordagens precaucionárias no licenciamento ambiental.
Apesar dos avanços técnicos e institucionais, persistem desafios enormes no licenciamento ambiental da pesquisa sísmica. Há deficiências na atualização e contextualização dos estudos ambientais, com reaproveitamento de dados obsoletos que não refletem as mudanças recentes no ambiente e nas comunidades locais. A insuficiência de pessoal técnico, limitações orçamentárias, e falta de participação efetiva das comunidades pesqueiras agravam a situação.
O licenciamento não prevê exclusividade para pesquisa sísmica nas áreas, o que gera sobreposição das operações por diferentes empresas e aumenta o impacto cumulativo no ecossistema. A ausência de normas específicas que contemplem os períodos críticos de reprodução ou migração das espécies, bem como a insuficiência na comunicação prévia e nos mecanismos efetivos de compensação social, resultam em conflitos e resistência das comunidades afetadas.
Assim, o caminho para a exploração sustentável dos recursos offshore no Brasil deve ser pautado no equilíbrio entre desenvolvimento econômico, conservação ambiental e respeito aos direitos das populações tradicionais, assegurando que os mares continuem sendo fonte de vida, cultura e sustento para as gerações futuras.
SOBRE O INSTITUTO INTERNACIONAL ARAYARA
O Instituto Internacional ARAYARA é uma organização da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos, que nasceu da parceria entre cientistas, gestores urbanos, engenheiros, urbanistas e ambientalistas prezando pela qualidade de vida dos cidadãos brasileiros e pela garantia de que todos os recursos sejam usados e distribuídos amplamente, de forma justa e sustentável.
Ao longo de mais de 30 anos de existência, a ARAYARA desenvolveu uma nova geração de ativismo pela transição energética justa, possibilitando políticas públicas, criação de leis, litigância, produção de conhecimento, comunicação, campanhas e advocacy que pavimentem o caminho da transição energética no Brasil e a redução das suas emissões de GEE.
Operando com tecnologia própria da terceira geração de ambientalismo, a ARAYARA produz análises técnicas profundas, defesa de direitos, litígio estratégico, mobilização multissetorial, produção de conhecimento e ação em ambientes urbanos, rurais, oceânicos, florestais e tradicionais, atuando em todos os estados brasileiros e em alguns países da América Latina.
Do Mar à Mesa: Como a Pesquisa para Exploração de Petróleo Ameaça a Vida © 2025 por Instituto Internacional ARAYARA está licenciada sob Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. É permitido copiar, distribuir, exibir e criar obras derivadas a partir deste conteúdo, inclusive para fins comerciais, desde que seja dado o crédito adequado ao autor original, fornecendo o nome do criador, um link para a licença e indicando se foram feitas modificações.
Registro ISBN n. 978-65-985108-3-1.
Fotos destaques: Enrico Marone.